
Às vezes pergunto-me qual deve ser a medida de aproximação relativamente à cultura na qual vivo, por contraposição à cultura cristã. É uma distinção um pouco falaciosa mas que não deixa de ter um fundo de verdade. Trata-se de dar uma medida e um peso ao binómio “cultura cristã e cultura profana”. Sempre me foi dito que, como cristão, é importante conhecer a cultura contemporânea, dialogar com ela, inclusivamente nela perceber as “sementes do verbo“, na expressão de S. Justino. Por essa razão, sou menos sensível a uma visão da fé que, diante da “ameaça” de propostas culturais contrárias aos valores do Evangelho, sente a necessidade de recuar, “reagrupar” as suas tropas, cerrar fileiras e preparar-se para o combate.
Contudo, reconheço que ambas as posições poderão ter as suas desvantagens. No primeiro caso, uma certa ingenuidade na abordagem à cultura, seja porque se adota um postura que desvaloriza os aspetos anticristãos, seja porque à força de dialogar e de se aculturar, corre o risco de perder a sua identidade. Do outro lado, a postura de recuar, o medo do “contágio” do mundo e a necessidade de se defender, pode levar a uma visão demasiadamente distanciada e desconfiada da realidade.
Tudo somado, penso que é importante e decisivo, seja em que lugar do combate se esteja, estar munido e preparado, embebido no evangelho até ao osso. Não tenho qualquer ilusão que a fé exige um combate contra as forças de oposição que estão dentro de mim, em primeiro lugar, mas também fora de mim. E podem nem mesmo ser forças de oposição mas simplesmente forças de distração: o combate não visa apenas aquilo que se opõe ao que é importante mas também aquilo que, sendo inócuo, simplesmente me tira do centro, do lugar da vigilância.
Assim sendo, devo alimentar a minha inteligência, a minha vontade, a minha vida emocional com o “caldo do Evangelho“. Para isso devo embeber-me da Palavra de Deus. Por isso devo escutar a bela música do património cristão. E, também por isso, devo ler a grande literatura de inspiração cristã.
Partilho um livro que tenho estado a ler e que pode abrir portas interessantes. A proposta da autora é a de encarar a literatura espiritual, a boa literatura de inspiração cristã como um poderoso contributo para renovar a imaginação do leitor e instá-lo no caminho do que se chama habitualmente de “santidade cristã“. E como estamos necessitados de ler, nós os cristãos que desconhecemos o nosso rico património (quanto mais beber dele!) e nos atiramos cegamente a um qualquer “vento de doutrina”. Vale a pena ler este livro, que abre uma boa dezena de janelas para outros tantos campos de belas pastagens.
Só assim, embebidos solidamente na nossa cultura e arte, poderemos empreender um debate sereno e seguro com a contemporaneidade, bebendo do nosso próprio poço e dando outros a beber. Caso contrário, seremos facilmente levados na enxurrada que tudo leva à sua frente.