Míngua de sal e luz

Que sentido pode ter hoje a vida religiosa? A pergunta não é nova e as respostas, desde as mais teológicas às mais pastorais, abundam. Não é por falta de diagnóstico ou de propostas de solução que há crise na Igreja.


Começando por aqui. A Igreja está em crise. A vida religiosa está em crise. Um bom diagnóstico está no mais recente livros de Thomas Halik: “A tarde do Cristianismo”. Não vale a pena dissecar mais as maleitas do paciente.


A vida religiosa padece dos mesmos males daqueles descritos por este autor. Destaco dois: a mediocridade como satisfação e segurança proporcionada por uma vida regrada e estável. Esta mediocridade pode também expressar-se por uma visão apostólica próxima daqueles a quem um autor chamou, exageradamente é certo, como título de um livro: “Os funcionários de Deus”. Estes não são más pessoas, são esforçados, por vezes até à exaustão. Mas aquilo que lhes sobra em “ativismo”, como se diz no jargão da vida religiosa, falta-lhes em incandescência por contacto com o divino. Este é para mim o maior desafio à vida religiosa sem o qual não há sal nem luz: arderem como círios, serem sem medo os “loucos por Cristo”. Fora disto não são nada. Podem ser simpáticos, prestáveis, pregar de forma consoladora, mas falta sal, falta luz.


Outro problema, muito profundo na Igreja e assinalado pelo papa Francisco, é a autorreferencialidade. A Igreja acha que o seu discurso, a sua linguagem e as suas mediações são entendidas pelo “mundo”. Está a falar numa praça cheia de gente, mas quem a ouve crê tratar-se de uma língua estrangeira. O barco afunda e discutimos como limpar o convés.


E, no entanto, nós, os que andamos pelas estradas do mundo, nós os desamparados e dessossegados, precisamos da vida religiosa. Precisamos de ver comunidades que vivem de forma bela e alegre, com estilos dissonantes face a modelos individualistas e solipsistas. Precisamos de religiosos alegres, melhor ainda, embriagados de alegria, amando a beleza do mundo, chorando as suas chagas. Precisamos que nos tragam uma palavra de consolação e de paz, precisamos do seu olhar sereno e pleno de confiança. Mas para isso, precisam primeiro de combater com Deus, noite adentro, como o fez o Patriarca.

text publicado inicialmente aqui.

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