Comecemos pelo que o Natal não é.
O Natal não é uma comemoração. Não lembramos um piedoso acontecimento passado, ocorrido há cerca de dois mil anos, localizado e datado na História, mas sem implicação ou consequências para hoje.
No Natal não recordamos a figura histórica de Jesus, esse personagem encantador, esse ser humano excecional, admirado pelos seus altos padrões morais e éticos, pela sua mensagem de amor sublime.
O Natal não é sequer apenas a festa da família de sangue, onde me resguardo com “os meus”. O próprio Cristo o tinha dito: “A minha mãe e os meus irmãos são aqueles que fazem a vontade do meu pai.”
É por isso que um perigo espreita: o Natal tornar-se uma festa em que olhamos para Jesus como alguém que viveu num ponto já distante e poeirento da nossa história sem que a sua vida, o seu sopro e a sua mensagem interfiram grandemente com a história dos homens.
O que será, então, o Natal? Que significa dizer, como ouvimos no Evangelho, que o “Verbo se fez carne”? Isto é, que significa dizer que Deus tomou forma humana, tornando-se alguém igual a nós? Repito: que significa um Deus tornado humano?
Talvez pudéssemos pedir àquele que é a luz verdadeira que, nesta hora vespertina, nos levasse, por um momento que fosse, das trevas para a claridade matinal de todos os começos. Talvez pudéssemos reconhecer, com humildade, que o mistério do nascimento de Jesus é por demais desmesurado para que sequer o compreendamos. Talvez tenhamos de seguir o conselho do próprio Jesus ao sábio Nicodemos: “Tens de nascer de novo” que é como quem diz: não podes acolher o menino sem que algum colírio cure os teus olhos da cegueira dos que julgam ver, para que, aí sim, o passas receber no espanto do seu amor.
E, esse que é a “Luz Verdadeira” que boa nova tem para ti? Nas tuas rotinas, nas alegrias e nas dores que são o pão de cada dia da tua vida, que tem o Filho para te dizer? Qual é a Boa Notícia que o Verbo nos oferece a nós, errantes e cansados, nós que acorremos a dessedentar o desejo em ilusões passageiras?
Diz o mensageiro: “O Senhor consola o seu povo”. Consolação! Que palavra profunda, bela e reconfortante. A fé não é um conjunto de propostas morais, ou de ritos incompreensíveis, nem o reino da boa consciência, nem a recitação mecânica de preces e orações.
A grande verdade do Natal e da nossa fé é esta: Deus vem para nos consolar. E consolar é aquilo que as nossas mães fizeram quando éramos meninos. Viajemos à nossa infância e lembremos quem nos deu colo, quem secou as nossas lágrimas, quem nos preparou um mimo ou uma surpresa, quem deu abraço e toque e beijos.
É por isso precisamos renascer neste Natal! Pedir à criança indefesa que nos ajude a acolher esse amor extraordinário feito de consolação. Jesus é o pobre que bate à porta para oferecer sossego ao teu coração sobressaltado. A paz que anuncia é a única que acalma as sedes, todas as sedes; ele é a certeza que na nossa viagem de regresso somos esperados e acolhidos, a nós que andamos errantes, bebendo uma água que só atiça ainda mais a nossa secura.
No relato dos magos, o evangelista diz-nos que, depois de adorarem o menino, eles partiram “por outro caminho”. Possa assim ser este tempo de bênção: o tempo de acolhermos, nesta, uma vida nova e de regressarmos à vida por um outro caminho.
Peçamos, pois, nesta noite santa, que o Humilde por excelência, o pobre de Nazaré, alargue o nosso mirrado coração para que ele, o Príncipe da Paz, ilumine a nossa vida e nos console na desolação. Que o Deus que “vem do futuro” (J. A. Mourão) nos abra à esperança, libertados de um olhar cínico e resignado sobre a história, sobre nós, sobre os outros. Que o Filho de Deus nos inunde de uma alegria que ser humano algum poderá tirar. Que o Iluminador estenda a sua paz a todos os corações marcados pelo ódio, pela violência, a todos os inocentes feridos, deitados borda fora.
Que o criador do Universo lave os nossos olhos, toque o nosso ‘coração paralítico’ (Daniel Faria) para que neste Natal possamos soltar “brados de alegria”, ouvidos nos confins do nosso mundo e do nosso coração.