
O que faz esta palavra divina na manhã deste dia? Há um lógica própria, existem leis já estabelecidas que ditam o que esperar e qual a mundivisão oferecida a cada dia, a cada estação do ano, a cada tempo da vida. Todas elas obedecem ao acumulado de sabedoria que herdámos desde tempos imemoriais. Essa sabedoria humana, comunitária, prepotente dita o que pensar, o que fazer, o que esperar.
Por isso, este é o tempo de férias e de descanso. Estou um pouco mais afastado do mundo do trabalho e de todos os desafios, preocupações e esperanças que traz consigo. Diz a sabedoria humana que este tempo é de descanso e despreocupação. E assim, se houver algum acontecimento que venha perturbar esta sabedoria humana, reajo de forma aborrecida: “este tipo não sabe que estou em férias?” ou então “logo agora que estou em férias é que tinha de me rebentar o cilindro!”.
A palavra de Deus é o disruptor por excelência. Cuidado com ela! Queima. Leva-nos a entrar numa outra e nova dimensão da realidade que tem o potencial de abalar todos e cada um dos fundamentos da nossa pacata e previsível existência. Sem ela, impera com à vontade a sabedoria do mundo, a sabedoria humana.
Aos profetas, o autor bíblico relata: “A palavra de Deus veio sobre…” – como se ela descesse de forma abrupta e imprevisível caindo em cima do pobre profeta que apenas queria plantar sicómoros.
Na música “Screen” da banda 21 Pilots está uma metáfora tremenda relativa à descida do divino sobre humano: “locomotiva vertical”: aqui se conjugam a velocidade, a inevitabilidade, a urgência e a incapacidade de se lhe resistir.
Sempre que abro a Sagrada Escritura, desde que não seja para confirmar o meu aburguesamento espiritual, essa locomotiva vertical despenha-se sobre a minha vida. Traz fogo, a fúria dos elementos, um tremor de terra, colírio para os olhos, afago para o coração. Assim, se deixo que essa palavra circule em mim como o sangue, abro a porta do armário das crónicas de Nárnia e acedo uma realidade nova e inaudita. Quando regresso já não sou o mesmo: os olhos maravilhados pelo ali visto, o coração regenerado. Um pouco como os magos que, depois de abalados pelo menino na manjedoura, regressam a casa por outro caminho.
Quando os seguidores de Jesus, chamado o Cristo, não abrem sequer essa Palavra flamejante, quando preferem os pensamentos-pensados da sabedoria do mundo, tudo está ainda por acontecer. Posso a locomotiva vertical da palavra flamejante quebrar a muralha impenetrável da boa consciência.