Platitudes – XI

  1. Os monges do antigamente tinham uma prática que consistia em escutarem os monges noviços no final do dia, criando um espaço onde estes podiam verbalizar tudo o que lhes ia na alma. Chamavam a isso “tirar o veneno da garganta”.
    Na vida, fruto da nossa contingência e opacidade, vamos acumulando tensões, gritos abafados. Precisaríamos deste momento em que damos nome aos nossos fantasmas e, através da palavra proferida e da escuta atenta, reconstruímos o ser e renovamos o compromisso de procura a nossa inteireza e transparência.
  2. Ela lembrou-se que um dia morrerá, sem saber se esse dia viria longe ou perto. Há demasiadas incertezas sobre a vida para que se centrasse no que entendia ser o acessório. É um dom e uma bênção distinguir o que importa daquilo que nada importa. Lembrou-se das palavras do evangelho: “Insensato! Hoje mesmo Deus pedirá a tua alma e os bens que acumulaste para quem serão?” eis uma frase a colocar no pórtico da existência de cada dia, pensou.
  3. Observo essa pessoa: o mistério absoluto diante de mim. Como estará? Que mundos a habitam? Aproximo-me dela tentando não provocar qualquer vinco.
  4. O que atraíam as multidões na pregação de Jesus? Todos os evangelhos abundam em mostrar Jesus em plena vida e plenamente na vida das pessoas; come, dorme, anda de barco, conversa, pergunta, responde, escuta, toca com as mãos, alegra-se, reza, chora, cura, faz lodo com a saliva, toca o pão, o peixe, faz brasas, ordena, obedece, toca uma menina. Entra e sai de casa, desenrola o rolo da lei. O retrato de um homem plenamente vivo.
  5. A ler um artigo sobre Walt Whitman. Na fase final da sua vida um rapaz, Traubel, ficou seu amigo. Diz a crónica que “Traubel passava por lá todos os dias”. Escreveu centenas de páginas. Consigo imaginar a beleza do jovem que passa e conversa e escreve. Que ritual significativo e maravilhoso num tempo em que o tempo passava devagar. “Traubel and Whitman could sit together in silence for long periods”. Sempre a tentativa de resgatar a vida às garras da morte.

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