De regresso.
1. “A arte da vida consiste no cultivo da sabedoria.” John Henry Newman.
Tem a vida uma arte para ser vivida? Não bastará apenas que a vivamos dia após dia, deixando que flua, lidando com ela da melhor forma possível? Dominar uma arte requer tempo de prática, aprendizagem e mestria. Requer vencer a vontade de parar, de ficar satisfeito a meio caminho. De acordo com a citação, viver pode ser conseguido com arte ou sem ela.
Um outro possível significado da frase poderá ser o de que apenas a vida vivida com sabedoria digna de ser chamada uma vida “com arte”.
E o que pode significar viver sem sabedoria? Mais ainda, o que vem a ser a sabedoria?
2. John Main foi um monge beneditino, fundador da Comunidade Mundial de Meditação Cristã. É uma das pessoas “desobstruidora de canais”. Essas pessoas, místicos, santos, os devorados pelo amor, os “loucos por Cristo”, os círios na noite do mundo – todos eles, à sua maneira, têm ou tiveram esse ministério. Fruto da acomodação cultural, da mediocridade, da falta de exemplos vivos, a vida da fé vai-se tornando progressivamente mais estafada e mortiça. Então surgem estes homens, que pela sua vida, pela sua intuição, pela sua entrega, limpam e preparam as veredas, os caminhos de acesso às terras altas, às nascentes, a um regresso ao primeiro dia onde tudo nos foi prometido. É preciso pedir a descida do Incêndio que nos acorde do “coração paralítico”, como escreveu o poeta Daniel Faria.
3. Sei que a Quaresma já passou e para a maioria de nós a Páscoa, durando apenas um domingo, também. Algures naquele tempo austero, topei com um versículo: “Converte-nos a ti”. Conforme disse há tempos o papa Francisco, a tentação do pelagianismo ronda a vida cristã: a convicção que o trabalho da nossa conversão é fundamentalmente nosso: “faço e aconteço e tal…”. No entanto, há uma dimensão trágica na nossa condição, escondida como fruto proibido: a incapacidade visceral e absoluta de fazer regressar à comunhão divina as zonas mais profundas, rebeldes e selvagens do nosso ser. Feliz aquele que um dia descobre a verdade da frase: “converte-me a ti”. Descobriu, talvez em lágrimas, o drama da impotência humana (ainda que S. Tomás de Aquino tenha dito com humor que, apesar do pecado, o homem consegue coçar a barba), a errância do coração como condição fundamental.
Numa feliz tradução, S. Paulo dizia: “Suplicamos-vos em nome de Cristo: deixai-vos reconciliar com Deus.” Nós somos o potro incorrigível que não se deixa nunca domar, somos os ex-cêntricos, como Adão escondendo-nos do amor. Chega aos meus ouvidos, de novo, este magnífico verso de Ramos Rosa: “Que difícil é ser o alvo desta atenção divina”.
“Onde estás?”, pergunta Deus a Adão. E nós, com ele, respondemos: “ouvi os teus passos e como estava nu, escondi-me.”