Etty Hillesum

“Uma vida transformada”

Li em dois dias o livro. A sua existência sobe desde uma família disfuncional que ela apelida de “caótica”,  atravessando-a por terras de paixão, de inferno e de uma sede ardente de compreensão de si. Guiada por mão sábia e amiga, essa mesma vida coloca-a às portas da fé, no dia em que espontânea e repentinamente sente a necessidade de se ajoelhar numa casa de banho, sobre um tapete áspero.

A partir daí a sua vida transforma-se. Enquanto em Amesterdão se aperta o cerco aos judeus e Etty descobre progressivamente que os seus dias estão marcados, dentro dela maduram frutos maravilhosos na sua relação com Deus, numa alegria indefetível mesmo diante do sofrimento e na missão comprometida de auxílio aos seus irmãos judeus, alvos privilegiados da ira nazi.

Ler pedaços dos seus “Diários”, ver a sua coragem, o amor por Deus e pela criação que transbordam incólumes para o auxílio aos que a rodeiam – tudo isso faz dela um ser humano espantoso. Em tempos de cinismo, de mediocridade, onde faltam estrelas que brilham e abunda o odor a vulgaridade, esta mulher ajuda-me a olhar com renovada confiança para aquilo que tem de melhor a natureza humana.

Os tempos sombrios que viveu durante a segunda guerra e que lhe ditaram a sina, fazem-me, também, confirmar o carácter sinuoso e difícil que é este o de trilhar a existência, olhando-a com verdade, despido de contos e lendas trazidos por qualquer vento. Insisto e confirmo que o viver é tarefa árdua e que, num momento ou outro, a verdade crua baterá à porta.

Ainda assim, quando caminhava rente ao arame farpado no campo de concentração, Etty aspergia o cheiro de plantas e flores, deslumbrando-se pela poesia serena de um entardecer. Que ser humano maravilhoso: a coluna direita, sem nenhuma ilusão quanto à maldade que a cercava, a mão no ombro da velha cega e comida pela fome e, no seu vasto reino interior, uma prece levantada ao Deus que aprendeu a conhecer e amar com uma voracidade apenas acessível aos que morrem de fome. Ela é a incarnação viva do verso de Sophia: “Intacta, caminhava entre os destroços”.

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