
Condenarei aquele que me vira as costas e confia num simples homem, e conta somente com a força humana. Pois é como o arbusto no deserto, que cresce na aridez, em solo salgado, onde não há nada de bom e onde ninguém habita. Todavia abençoarei aquele que confia em mim e procura em mim a segurança. Esse é semelhante a uma árvore plantada à beira de um regato, estendendo as suas raízes para a água. Não teme quando vem o estio, porque as suas folhas permanecem verdes; pouco lhe importa se não há chuva; e não deixa de dar fruto. Quem pode entender o coração humano? Não há nada mais enganador; está demasiado doente para ser curado. Eu, o Senhor, penetro no íntimo do homem, e examino o seu coração. Dou a cada um segundo o seu procedimento conforme as suas ações.
Jeremias 17, 5-10
Confiar ou não confiar em Deus, eis a questão. “Confiar” é uma palavra bem mais poderosa do que simplesmente “acreditar”. Na confiança, entrego a minha fé (confidere) a alguém, isto é, assento os fundamentos da minha existência nesse outro, algo bem mais profundo que o uso pobre do verbo “acreditar” (em Deus). Aqui, “Deus” aparece como um ente de razão, tão crível como acreditar que D. Afonso Henriques viveu ou que existe algo chamado ONU.
Por isso, a distinção entre aquele que confia e aquele que não confia é tão radical. Aquele que não confia em Deus, confia antes em si mesmo. Ele é comparado a um arbusto no deserto, sem beleza, sem graça, quase sem vida. Está cortado da água que lhe daria pujança. Esse, conta apenas consigo mesmo para fazer frente ao mar revolto e imprevisível que é a nossa existência sobre a terra.
Por outro lado, aquele que confia em Deus e que encontra nele a sua segurança, é descrito de forma bela: uma árvore, cujas raízes estão sempre mergulhadas na água; as folhas são sempre verdes faça ou não calor. Mais: dá sempre fruto. A árvore recebe da água, o arbusto definha, não é belo, não tem graça.
Que pode esta poderosa metáfora querer dizer? Simplesmente que a relação com Deus se joga numa dimensão mais profunda e misteriosa que simplesmente “acreditar”. Entregar a nossa confiança ao Mistério a que chamamos Deus, significa o mesmo que a seiva faz a uma planta. É tão radical e vital como isso. Entregar a Deus a nossa fé é permitir que circule, corra ou superabunde nos confins mais agrestes e escondidos da nossa alma, uma água que nos torna belos. Belos porque não temos de carregar o peso intolerável do jugo do Ego com a sua sedução, o seu fascínio, o seu beijo mortal. Não queremos essa luta permanente por manter a cabeça acima da linha da água. Procuramos a beleza radiante e juvenil, a segurança profunda do Lugar onde nunca falta a água, onde o abraço do Pai não engana e demora.