
Os gestos dela são sempre rápidos. Sabe o que tem a fazer, as tarefas para o dia. O importante é chegar ao ponto em que pode dizer a si mesma que, para aquele momento tudo está feito. E essa é a sensação mais gratificante: a de, ainda que por momentos, ter a ilusão que ao realizar todas as tarefas que tem previstas para essa manhã ou tarde (não sei) uma sentimento de ordem, de domínio, de pacificação emerge no seu espírito.
Não importa se não há qualquer prazer nas tarefas que tem de realizar. Elas nada valem por si mesmas. É ao ponto final do trabalho que quer chegar. Estar nesse pequeno oásis onde, fugazmente, experimenta a chegada à terra prometida do dever cumprido e a um paraíso original.
Observo-a e observo-me. Quantos dos meus gestos são dignos? Quantos deles são pausados, solenes, conscientes, presentes? Andarei, também eu, rebolando pelos dias como um feixe de palha disperso numa tarde de vento?
Por isso me recordei de uma história sobre a artista Lourdes Castro e o seu marido. Quando viam que as solicitações e o trabalho eram avassaladores (aquela sensação angustiante de perder o pé e cair), eles criavam uma performance artificial. Começavam a caminhar pela casa lentamente, como se estivessem em câmara lenta, realizando as tarefas de forma demorada.
Esta história vem-me muitas vezes ao pensamento. E, o mais curioso, é que por vezes tento pô-la em prática. Quando entro na cozinha, a minha vontade é despachar tudo o que tenho a fazer, arrumar, cozinhar, para o mais rapidamente possível ir ao que me interessa. O que acontece a esse momento? Ele é um interlúdio e um estorvo ao meu roteiro, como um parêntesis.
Tragicamente, o problema é que os parêntesis são demasiados e tornam tudo isto numa equação de difícil resolução. Sou um pouco como ela, sempre à procura do oitavo dia, o dia do repouso, sempre esquivo, sempre em fuga O mais engraçado, é que quando entro neste jogo de tocar nas coisas com calma e lentidão exageradas, quando estou absolutamente na lua entre os tachos, os gestos que solenemente pontifico tornam-se rituais. E estes rituais comunicam comigo. Então, uma serenidade desce sobre mim: o caos do mundo interior trasmuda-se em reino de bem-aventurança.