
1. Os dias começam a ficar maiores e a temperatura mais amena. Depois de ter tido COVID, retomei as minhas caminhadas madrugadoras. Uma e outra vez saboreio esta hora matutina ainda que escura. No regresso do caminho olho o céu, esperando o momento em que verei a primeira luz da manhã pela primeira vez.
Desde o momento em que os dias começaram a ficar mais pequenos, a noite foi progressivamente envolvendo todo o tempo em que caminho. Entro no seio da noite e dele saio ainda no escuro. Será uma festa a manhã em que puder vislumbrar a primeira luz ténue que anunciará a manhã.
São duros os ciclos da natureza, mas, diz quem sabe, necessários. A chegada do outono, com os dias inapelavelmente mirrados; a mudança da hora, essa machadada na luz. Depois vem o Inverno com um sol de meio dia triste e vencido.
Que venha então a primavera! As manhãs já mais luminosas, belas e perfumadas: parece que dentro de nós um força puxa para uma vida pujante e irreprimivelmente doce.
2. Ainda e sempre a “pequena plenitude”: um estado de estremecimento com os acontecimentos do quotidiano que, num repente, ganham brilho e beleza inauditos. Aparentemente, tudo segue o seu curso, mas o olhar capta o oiro do dia.
3. Os místicos alertam para a forma como a nossa mente funciona de forma dual: gosto/ não gosto, bom/ mau, digno/indigno, amigo/ inimigo. Talvez a liberdade interior aconteça quando percebemos a realidade como una.
4. Tenho medo de um dia olhar para trás e ver que não vivi “to the full”. De novo, à minha memória este verso de António Ramos Rosa: “Será que posso ser o que nuca fui/ e que pensei que nunca poderia ser?” Angustia-me descobrir um dia que vivi apenas em conformidade, timorato e cauteloso. Pode a minha vida (e, quem sabe, a tua) receber ainda um sobressalto de plenitude, de transbordamento interior, como se houvesse uma inundação de dentro para fora? O que será uma vida sobreabundante?
5. O meu pai era pessimista e saudosista. Cresci com o seu discurso negativo relativamente a Portugal e aos portugueses. Creio que não deixei de ter uma visão parecida ao longo dos tempos. Se comparo Portugal aos países de maior desenvolvimento, cultura ou talento, não posso deixar de pensar que somos apenas medianos. Poderíamos ser um grande país? Terá havido algum momento no nosso passado em que ombreámos com as grandes potências europeias? Quando foi que começámos a divergir face “à Europa”? Somos um caso perdido? Acho que somos de facto bons na mediania. Há mudanças de mentalidade, nos nossos hábitos de pensar, de agir, de trabalhar, que estão muito enraizados e são difíceis de extirpar. Como se pode operar essa mudança? Com elites que o sejam verdadeiramente e com um consenso alargado e fino relativamente ao papel e importância da educação.
É um pouco isto…