(a propósito de um artigo de Pedro Mexia no jornal “Expresso”)
No jornal “Expresso” do passado fim de semana, li e guardei um artigo de Pedro Mexia. Nele expressa o seu ponto de vista sobre o que é estar em minoria e em maioria. Ao ler o artigo percebo que o seu autor se situa na vida a partir do lugar da minoria.
Esse é sempre o lugar mais difícil: estar do lado oposto àquele em que a maioria das pessoas se situa. Há um força, uma pressão, invisível, forte, prepotente mesmo, que nos empurra para o lugar onde toda a gente está. De forma muitas vezes inconsciente, exercemos vigilância sobre tudo o que mexe e que pode ser uma ameaça ao ethos da maioria: mandamos uma piada, devolvemos um olhar, tomamos uma atitude relativamente aos “dissidentes” que fazem parte da minoria.
Gosto muito daqueles que têm a coragem de estar do lado da minoria. Essas pessoas são raras, mas são corajosas. Não receiam abandonar o grande grupo onde todos se assemelham e fazem um caminho pessoal de afirmação daquilo que para si é importante na vida, sem o receio de desagradar à maioria.
No artigo que citei acima, o autor não receia estar do lado da minoria na forma contida, pessimista mesmo, como entende a vida. Não partilha o frenesim insano, esta obrigação tácita de viver e transpirar uma felicidade fabricada e artificial:
“Sou tragicamente minoritário na crença de que o sentimento trágico da vida faz muita falta.”
Já neste blogue tenho escrito que desconfio da visão carnavalesca da vida, que grassa como epidemia. É curiosa e provocadora a constatação de Pedro Mexia que o sentimento trágico faz falta à vida. Esta orgia de felicidade não respeita nem faz justiça a tantos dos nossos contemporâneos que lutam por sobreviver e manter a cabeça à tona. Tão pouco é realista face à imprevisibilidade da vida que nos leva por onde não queremos nem pensamos.
“Prefiro a melancolia à farsa, a subtileza à proclamação, os epílogos verdadeiros aos finais felizes, e não creio que esteja em maioria.”
Preferir a melancolia à farsa: assumir que os nossos dias são também nimbados por emoções que dizem pouco a uma alegria e uma felicidade que são postiças, fabricadas para se pertencer ao cortejo alegórico.
Vivemos numa sociedade em que berramos, de formas mais subtis ou primárias, o grande grito: estou aqui! Que interessante a preferência pela subtileza, essa forma quase enganadora de dizermos o que pensamos sem levantar a voz, sugerindo apenas.
Ah… o caminho menos percorrido de que falava o poeta Robert Frost… É, sem dúvida, um caminho silencioso, como se diante das festividades da cidade com a população toda na rua, aquela pessoa se decidisse silenciosamente regressar a sua casa, ao seu mundo, ao seu espaço, ao seu lugar, à sua respiração.
Ela não mudará o que quer que seja, mas a verdade que procura para a sua vida, a consonância consigo mesmo é alimento suficiente para que siga por esse caminho silencioso, repleto de árvores e frescura e luz.
MAIORIA MINORIA
Toda a gente prefere as maiorias, mas alguns orgulham-se de estar em minoria. A minha experiência é que estar em maioria ou minoria é uma contabilidade que anima ou assusta, mas não esclarece. Como exercício, comecei então a anotar num caderno as minhas concordâncias e dissensões, ou algumas delas.
Socialmente, sou um burguês, como a maioria das pessoas que conheço, mas não me dou ao trabalho de fingir que não sou, como uma minoria dos burgueses que conheço. Sou da maioria católica, maioria muito vaga, sociológica, e de uma minoria que julga que o catolicismo é uma metafísica e não uma intendência. Não me sinto especialmente patriota, mas sinto-me sem dúvida português. Ideologicamente, sou uma minoria sem expressão em certos meios que frequento e uma larga maioria noutros dos quais fujo. Sou da antiga maioria, agora em colapso, que abomina os extremos. Em eleições, já acompanhei 60% e 0,6% dos eleitores. Integro maiorias alargadas no desprezo por determinadas figuras contemporâneas, mas não me reconheço nos heróis mediáticos mais celebrados, oportunistas uns, outros fundamentalistas. Defendo conceções que a maioria considera um defeito, como o conservadorismo e o pessimismo. Não me lembro de ter sido alguma vez atraído para uma posição maioritária porque me sentia desconfortável em minoria, mas lembro-me de me sentir desconfortável.
Sou tragicamente minoritário na crença de que o sentimento trágico da vida faz muita falta. Tenho um catálogo minoritário, e estranho, de categorias humanas que abomino, como os cátaros e os filisteus. Sou da minoria que considera a auto-estima uma auto-ilusão. Sou de uma maioria sexual e de uma minoria emocional. Como a maioria das pessoas, identifico-me com a época em que vivo, mas, como uma minoria, nem sempre. Não partilho de muitos gostos maioritários, estéticos ou outros, mas estou sempre a descobrir imensas minorias. Prefiro a melancolia à farsa, a subtileza à proclamação, os epílogos verdadeiros aos finais felizes, e não creio que esteja em maioria. Estando a mais de meio da vida, sou maioritário junto das gerações mais velhas e minoritário junto das mais novas em dezenas de assuntos, o mais importante dos quais é a privacidade. Não sou ludita, mas não tenho nenhum deslumbramento pela tecnologia. Não suporto novilínguas, nem as mercantis nem as ativistas. Sou da pequena minoria que não acha que em matéria de ortografia “tanto faz”.
Estar em maioria reforça o ego e enfraquece a lucidez. Estar em minoria traz uma certa distinção e uma certa solidão. Mas se as maiorias ou as minorias nos ajudam com as preferências, não nos ajudam com as certezas. Estou com a maioria no apreço por uma certa ideia de decência comum, mas vejo-me minoritário em matérias como a deontologia dos ex-amigos ou a vingança. Tendo para uma tonalidade elegíaca e sei que há uma minoria que se reconhece nisso.
Simpatizo com línguas minoritárias, facções minoritárias, nações derrotadas, heresias, votos de vencido. Como a maioria, aprecio a coragem e a empatia; como a minoria, valorizo a delicadeza e a gratidão. Penso mais ou menos como a maioria dos homens quanto às mulheres e quase sempre o oposto da maioria das mulheres quanto aos homens. Por vezes, faço parte de maiorias que me prejudicam.
Uma das frases que mais me impressionou até hoje diz: “Na luta entre ti e o mundo, apoia o mundo.”