O Leopardo

Tomasi di Lampedusa

Estou praticamente a acabar “O leopardo”. Faltam-me dez páginas, das duzentas que o livro tem. Páginas em letra miúda que, apesar dos óculos, tornam mais difícil a leitura. Que posso dizer deste livro? “Gostei muito” é uma possibilidade, verdadeira, mas banal. Apreciei o sentido de humor sarcástico do seu autor. Consegui entrar com facilidade nos diversos ambientes descritos, seja no palácio dos Salina, na aridez e impiedade das paisagens queimadas pelo sol ou na miséria a que era votada a grande maioria da população na Sicília. O autor não deixa de ter uma certa ternura pelo protagonista, o Príncipe D. Fabrício, o último representante de uma época de tradição familiar brasonada e opulenta. Impressionou-me uma das últimas reflexões do Príncipe antes de morrer: setenta e dois anos de vida, setenta de tédio. Um retrato impiedoso de um homem, de uma certa sociedade e do seu modo de vida, alheado às profundas mudanças por que vai passando a Itália.

Estes retratos das alta sociedade sobressaltam-me sempre pela descrição tão crua de como se podia viver alheado da pobreza e miséria circundante, no caso deste livro, numa Sicília orgulhosamente fechada na sua indigência. E no entanto, a sumptuosidade dos palácios contrasta estridentemente com as ruelas feias e sujas e repugnantes. Embora não descrito no livro, não é difícil imaginar a relação de condescendência e servilismo entre o Príncipe patrão e os seus empregados. Uma alegre inconsciência relativa ao que hoje chamaríamos de “justiça social” percorre esta classe alta, seja na Sicília meridional, seja na Rússia czarista e aristocrata. No fundo, representa um mundo sem mudança, fixo, estável, repetitivo, no qual as classes sociais estavam marcadamente distintas e, na qual, cada um, parece estar conformado com a sua condição e o seu lugar. Uma e outra vez confirmo o mesmo dos livros que vou lendo: a história escrita a partir do lugar dos vencedores, na qual não parece haver lugar para o tugúrio do pobre.

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