
Que posso dizer aos passantes?
Quando me sento, pelo fim da tarde, no meu banco junto à rua movimentada, procuro adivinhar o que se passará nessas vastas planícies que são a alma de cada um.
Cada passante carrega dentro de si as perguntas-grandes, as perguntas cuja respostas lhes são veladas a seus próprios olhos.
Não apenas as carregam, como as sofrem, como são atravessados por elas. Saberão eles que existir é ser balouçado pelo vento, ser levado daqui para acolá sem remissão? Nessas idas e vindas as perguntas-grandes permanecem.
Lá vão os passantes, carregando o peso de existir, procurando o lugar do repouso, tateando o regresso a casa. Observo-os: que se passará dentro, no lugar da alma? Que peso carregam? De onde vêm? De tempos imemoriais ou da jornada ora finda? Que consolo lhes é oferecido, que consolo procuram?
Que posso dizer eu aos passantes?
Aqui estou, sentada, os olhos cavados pela existência longa e atribulada. Que palavra lhes posso confiar, agora que dobro o cabo dos meus dias, eu que fiz já a viagem do regresso? Que desafogo, que certeza lhes posso oferecer para as perguntas-grandes que os maceram e vergam?
Toda a vida procurei o rochedo seguro, toda a minha vida foi caminho da desapropriação, o caminho da sede, o caminho do renascimento. E, nesta tarde de outono, bela, solarenga, enquanto os pássaros recolhem tranquilos aos ninhos, penso nos passantes.
Virá ainda, esta noite, o vento da consolação quando o sono é já consonante com a terra? Haverá alguma estrela que perdure e brilhe e guie? Espreitarão os olhos meigos do animal, convidando o coração à ternura perdida na infância? Oh, a serenidade da noite que apazigua as sedes, sossega todas as perguntas, antecipa a madrugada.
Quem sabe… talvez um dia possa dizer aos passantes acerca da palavra nova que vem do futuro.