«O Senhor diz: Eu vi os caminhos rebeldes do meu povo, mas hei-de curá-lo e guiá-lo, oferecendo-lhe reconforto.»
Is 57,14-19

Os nossos caminhos são de rebeldia. Nós é que sabemos do ontem, do hoje e do amanhã. Nós é que somos os mestres, os entendidos, os sábios, os peritos. Somos rebeldes porque queremos ser deuses. O rebelde, rebela-se ou revolta-se contra aquele ou aquilo que considera ser fonte de opressão. Diz: vou sair da casa dos meus pais, vou cortar laços com estes amigos, não quero estar dependente de normas, regras ou imposições ou ditames.
Quando me afasto de Deus, o erro desse afastamento não é de ordem moral. Não estou a quebrar uma regra extrínseca, datada, anacrónica. Quando Deus me vê a afastar dele ou quando vê o seu povo seguir caminhos para longe de si, a tristeza de Deus não é a do catequista zangado porque os meninos preferem jogar bola; é a tristeza da mãe que vê o filho dolorosamente andar errante, desorientado, zangado como um cão com fome – um estrangeirado face a tudo e todos. O drama, repito, não é moral, mas existencial: ao virar costas estanca a seiva que alenta os meus braços, as minhas pernas, o bater do coração, o olhar contemplativo para a beleza. Só Deus sabe o drama do humano que vira costas. Bem diz ele que essa pessoa é como árvore sem vida, uma cisterna que não armazena água, um conjunto de ossos sem carne ou nervuras.
A tragédia é a moralização-de-tudo-o-que-é-cristão. E que grande tragédia. Estar cortado de Deus é estar cortado de um fonte. Claro que continuamos a coçar a barba e fazer limonada e a ter sucesso na vida… Et pourtant…
Face a essa rebeldia, Deus fala de cura, de orientação e reconforto. Qual destas três palavras tem um qualquer ressaibo de moralismo? Eu vou curar o teu coração ferido, vou dar orientação aos teus passos errantes, vou confortar aquilo que em ti precisa de conforto, aquilo que em ti é desconchego, tristeza, desilusão, luto, a pequena morte da alma.