Navegar é preciso

Tenho procurado estabelecer objetivos para cada dia e, com algumas exceções vou conseguindo cumpri-los. É bem diferente estar sujeito às flutuações do humor e da vontade, de subjugar os apetites em proveito de um bem racionalmente percecionado como bom. É verdade que, no limite, ocasionalmente, deixo de lado objetivos e razões, mas, como regra, está bem assim.
Um desses objetivos passa por ler um livro por semana. É um objetivo difícil, sobretudo quando os dias estão cheios disto e daquilo, quando a mente anda ocupada e ler parece um luxo supérfluo. A verdade é que, quando algo se torna prioritário na nossa vida, lá damos uns encontrões aos nossos compromissos para que alguma coisa mais possa caber, como quem quer pôr mais um livro numa prateleira cheia. Em situações mais complicadas até viramos a nossa vida de pernas para o ar: visitas diárias e cuidado do pai ou mãe doentes, hemodiálise diária, fisioterapia, etc.
O caso do livro é bem mais prosaico e tranquilo. Há uma semana, defini como objetivo ler um livro numa semana, dividi as páginas pelos dias e hoje terminei. Como quero cumprir o objetivo, olho para o dia com uma lupa à procura de todos os interstícios onde possa ler; levo o livro comigo para onde vou; divido o dia em três partes e obrigo-me a ler x páginas em cada uma dessas partes. É artificial? É, mas comigo a espontaneidade faz poucos milagres e o curioso é que mesmo que não me apeteça ler, o apetite vem depois de forçar um pouco o início.
O livro que acabei de ler chama-se: Diário de um pároco de aldeia” do escritor francês Georges Bernanos, já comentado neste blogue pelo meu amigo padre Humberto Martins. Comprei-o há coisa de dez dias, em segunda mão, por dois euros e meio! É um livro arrebatador. Quando comecei, julguei que seriam notas adocicadas sobre um padre bondoso, ajudando os ignorantes aldeãos. Não. À medida que fui avançando, fiquei movido, tocado interiormente.
Encontrei reflexões profundas, provocadoras, desafiantes sobre a condição humana: o poder, a riqueza, a pobreza, os pobres, a miséria; a vida e a morte; as marcas que a educação e a infância imprimem no ser humano. Este jovem padre é uma alma apaixonada, mas simultaneamente atormentada entre a humildade da sua condição e a grandeza sublime da sua vocação. Pela boca de personagens com quem se cruza, desde um conde a um “motard” (daqueles tempos) saem reflexões intensas sobre a nossa condição humana.
E talvez seja isso mesmo: mais que um “livro cristão”, que o é, trata-se um retrato lúcido, cru e ternurento sobre a nossa passagem pela terra nas suas vicissitudes. Não me é fácil encontrar livros que sejam “uplifting” mas este puxou-me bem para cima.
E, agora, aqui vai outro que já comecei, não sei se para uma semana se para quinze dias porque é volumoso: “Historia de los métodos de meditación no dual”. A ver vamos, como diria o cego.

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