“Para tudo há um momento
e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu:
2tempo para nascer e tempo para morrer,
tempo para plantar e tempo para arrancar o que se plantou,
3tempo para matar e tempo para curar,
tempo para destruir e tempo para edificar,
4tempo para chorar e tempo para rir,
tempo para se lamentar e tempo para dançar,
5tempo para atirar pedras e tempo para as ajuntar,
tempo para abraçar e tempo para evitar o abraço,
6tempo para procurar e tempo para perder,
tempo para guardar e tempo para atirar fora,
7tempo para rasgar e tempo para coser,
tempo para calar e tempo para falar,
8tempo para amar e tempo para odiar,
tempo para guerra e tempo para paz”
Eclesiastes 3, 1-9

Recordo-me das palavras de Séneca: “Toma cuidado contigo. Quando saímos de casa e depois regressamos, não somos exatamente os mesmos. Alguma coisa se perdeu nesse ‘comércio’ com o mundo”. Há naturalmente ganho e riqueza naquilo que é dado viver ao longo de um dia, mas frequentemente chego a casa com o meu espírito dissipado. “Dissipado” significa que o espírito se espalhou, dispersou, interagiu em direções e centros de atenção díspares. Com tudo o que absorvemos ao longo de um dia, é natural que regressemos ao lar com o nosso espírito agitado e disseminado.
Deveríamos ter um ritual de entrada nesse final de dia. Às vezes bastam cinco ou dez minutos para desacelerar e encontrar o antídoto para a dissipação: o recolhimento. Recolher o que foi vivido, como a senhora que destranca as portadas de madeira e as fecha, assim como em seguida as janelas: começa um tempo novo, para dentro.
Um autor diz: “Entramos na noite como entramos num templo”. Infelizmente, perdemos a valorização dos ritmos e ritos diários. Acordamos, vamos trabalhar, regressamos do trabalho, fazemos a lida e aterramos no sofá ou na cama. Das muitas razões pelas quais frades e monges rezam várias vezes ao dia, é também para combaterem a compulsão pelo fazer, produzir e, rezando, marcar um outro tempo dentro do tempo. Para mim, o início e o fim do dia são momentos importantes, de intensidade distinta do resto da jornada. Não conseguiria estar bem se não tirasse tempo para me recolher, para recolher e para colher!
Não pense o paciente leitor que vivo num mosteiro: tenho filhos e família, trabalho, vou e venho e não me sobra muito tempo. Contudo, tomei medidas: cortei e semeei de modo a não viver engolido por um” tubo gigantesco que me suga” e onde a minha única saída é deixar-me ir, atordoado.
Sem querer “armar-me” em sábio, partilho duas palavras com que os gregos falam do tempo: o kairós e o chronos.
O chronos é o tempo chão, plano, habitual, monótono e repetitivo. São os nossos hábitos, rotinas, o nosso dia a dia, as horas do relógio. Aqui, parece que não há novidade, apenas o decurso linear e sem surpresa.
Já o kairós é a erupção no quotidiano de algo que modifica a nossa relação com os acontecimentos comuns e habituais de cada dia. Há uma intensidade nova, uma beleza e sentido. Parece que, nem que seja fugazmente, entramos numa dimensão outra e fecunda que nos ajuda a viver o chronos com mais vigor.
Há uma sabedoria no cristianismo, como certamente noutras tradições, em dividir o tempo: tempo comum e tempo de Advento ou de Quaresma ou de Páscoa; festas e solenidades litúrgicas e dias sem comemoração; dias da semana e domingo; no ritmo diário, o tempo para o trabalho e o tempo para a oração. No judaísmo, o Sabat é efetivamente devotado a Deus, cessando todas as atividades.
Não deixemos que sejam a pressão-para-fazer ou o ritmo vertiginoso da nossa sociedade a definirem o nosso ritmo pessoal. Tentemos, ainda que timidamente, um ato de insurreição criando rituais diários, semanais, mensais consonantes connosco mesmos, com o cosmos, com o Transcendente.