Thomas Keating e a cura pela contemplação

Acabei de reler o livro: “Invitation to love”, do monge trapista Thomas Keating. Considero-o um dos grandes autores espirituais do nosso tempo. Nesta obra, procura mostrar a importância e a necessidade de cada cristão desenvolver uma vida de contemplação (ou mais modernamente, de meditação). Não há aqui qualquer sombra de reflexão adocicada ou piedosa, mas um exercício profundo, documentado e sábio do que é a pessoa na sua “condição humana”, na sua necessidade de uma “terapia divina” como caminho para a cura interior do nosso ser mais profundo. De forma muito interessante, Keating recorre à Psicologia para aprofundar e alargar a sua reflexão bem como para tornar a linguagem mais acessível ao leitor, sem o vocabulário teológico, por vezes hermético e, muitas vezes, afastado da sua compreensão.
O autor começa por afirmar que mais ou menos aos sete anos está em vias de se formar em nós um “Programa emocional de felicidade”: o crescimento em nós de necessidades instintivas de sobrevivência/ segurança, afeição/ estima ou poder/ controlo os quais se convertem em centros de motivação à volta dos quais gravitam os nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos. A partir daí, toda a nossa vida será construída em obediência a esse programa a que toda a tradição religiosa, mística, oriental e ocidental chama o “falso eu” ou o “ego”. Este “falso eu” é forte e prepotente e opera sob o radar da nossa consciência. Somos “vítimas” de emoções inconscientes que moldam aquilo que entendemos por felicidade e condicionam, sem o sabermos, a forma como estamos na vida. O que é, então, essa mudança? Não é seguramente uma mudança moral, tantas vezes caricaturada dos nossos comportamentos, mas querer procurar a nossa felicidade noutro lugar.
Thomas Keating afirma que podemos reconhecer os nosso programas emocionais de felicidade pelas emoções aflitivas que são espoletadas em nós e que são, resumidamente: raiva, tristeza, medo, orgulho ganância, inveja, luxúria e apatia. Afirma, de forma cortante, que existe algo de seriamente errado como a nossa escala inconsciente de valores. Afirma: “A resolução consciente para mudarmos os nossos valores e comportamento não é suficiente para alterar o sistema inconsciente de valores do falso eu e o comportamento que engendra. Apenas a purificação passiva da oração contemplativa podem operar esta cura profunda”.
Muitos de nós transformamos a moral cristã num voluntarismo estéril. Usando uma metáfora proposta pelo autor, nós apenas conseguimos com o nosso esforço cuidar um pouco deste e daquele ramo da árvore que somos nós, mas há uma cura, limpeza e regeneração das raízes e da seiva, as quais não podem proceder de nós. Posso tentar controlar a raiva que tenho em mim, mas não consigo curar o impulso primeiro dessa mesma raiva.
É sério o caminho proposto e duro o diagnóstico. Como tenho escrito neste blogue, vivemos de expedientes “delico-doces” sobre quem somos, mas se olharmos com verdade para nós e para o que se passa à nossa volta, “disfuncionalidade” é uma palavra consonante com a realidade.
Ah não sejas pessimista” dirá o leitor. Não se trata de ser pessimista, mas realista. Só depois do diagnóstico feito, teremos a calibragem certa para conhecer a nossa sombra e a nossa luz.
Aquilo que alguns autores espirituais contemporâneos como Thomas Keating, Richard Rohr, John Main ou Roger de Taizé, propõem é reintroduzir a dimensão contemplativa na vida cristã como caminho de regresso à nossa condição humana, não mascarada pelo ego, mas sadia e apta a desenvolver todo o nosso potencial. S. Ireneu disse-o: “A glória de Deus é o homem vivo”. Mas, para isso, é preciso querer iniciar a longa viagem de regresso a casa, onde somos esperados, curados e alimentados. É um pouco isto…

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