
“Venha o orvalho leve da graça Venha sobre nós a ternura Venha a mão que cura e protege Dar à vida luz e calor."
Assim cantei durante alguns anos as palavras do poeta e frade José Augusto Mourão, que já invoquei neste espaço por algumas vezes. Lembrei-me destes versos ao ler hoje mais umas páginas do livro “A nuvem do não saber”, um clássico da espiritualidade, escrito no século XIV em Inglaterra. A dado passo, o autor fala do “orvalho da graça”.
Trouxe de imediato à minha imaginação o orvalho tombado sobre plantas ao nascer do dia. O orvalho que refresca a natureza contra os ardores do calor; o orvalho que retoma a cor quando as plantas a perdem. São belos os campos orvalhados: parece que desce sobre eles o alento, a consolação, uma força suave que comunica à natureza, uma vez e outra, a beleza, a frescura, o recomeço.
Que bela metáfora, a de falar da ação de Deus no nosso coração como um orvalho que sobre ele desce, o anima e embeleza. O coração do ser humano tem sede desta frescura que “cura e protege”. Nos nossos encontros, desencontros e encontrões, e em nós mesmos, vemos a desarmonia, a agressividade, o ressentimento, a duplicidade, a tristeza, a culpa, o medo…por trás dos convencionalismos sociais que nos mantêm funcionais há uma terra seca. Gosto de repetir a linha de António Ramos Rosa: “somos mais do que órfãos de um útero materno”.
Deus não é o legislador, o juiz ou o carrasco. É ele o orvalho leve que cura e protege o que em nós foi desfigurado pela vida. Que pena este rosto de Deus aparecer tão caricaturado; que pena a igreja, nós, os cristãos, darmos uma imagem tão séria, exigente e crispada deste orvalho refrescante que se derrama sobre tudo o que estiver aberto a ele. Pior… que pena, tantos cristãos não o saberem sequer e viverem a sua fé de modo tão distraído e desinteressado.
Bem diz o nosso papa que a Igreja deve ser um “hospital de campanha”: o lugar de repouso entre batalhas, onde o médico limpa a ferida, pensa o golpe, cura e cuida. Não adianta colocarmos a farda do forte, decidido e capaz. Todos precisamos da frescura do orvalho da graça deitado sobre a nossa alma para que possamos recuperar, um pouco que seja, da ternura, da simplicidade e da alegria da infância que fomos perdendo ao longo do caminho.
Neste dia de estio quente por demais, que se abram as portas do céu e desça sobre todos nós o orvalho fresco e revigorante, a graça do Deus de misericórdia.
Obrigada por pôr em palavras esta realidade tão nossa.
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Obrigado pelas suas palavras.
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