Pequena reflexão sobre dois documentários

I.
Recentemente, vi um documentário em dois episódios sobre o processo revolucionário que levou à independência da República da Irlanda. Já lá estive duas vezes e pude testemunhar como os irlandeses nutrem pouca simpatia pelos ingleses. Não esquecem o quão maltratados foram pelos ingleses. Em Inglaterra, também topei com uma certa sobranceria sempre que se falava dos irlandeses.
O documentário é interessante porque contém muitas imagens e filmes da época, o que dá ao relato dos acontecimentos grande vivacidade. A violência que o IRA (Irish Republican Army) empregou para lutar pela independência foi, a tempos, excessiva e cruel. Uma vez que simpatizo com a causa da independência da Irlanda, dei por mim a desvalorizar o emprego da violência, uma vez que o fim me parecia legítimo. No entanto, submeti este pensamento ao crivo do contraditório e pensei que quando há uma luta armada por uma causa com a qual não concordo, bem mais facilmente desaprovo tal conduta. Este raciocínio levou-me a perguntar: há causas que justifiquem o emprego da violência? Que causas serão essas? Onde desenhar a fronteira entre o que é permitido e o que não é? Não é verdade que quando analisamos a História, funcionamos de forma mais ou menos binária: bons/ maus, justos/ injustos, certo/errado? A luta pela independência dos irlandeses é justa? Não tenho dúvidas. Poderia ter sido feito de outra forma ou a violência é um último recurso quando todas as vias de diálogo se esgotaram? Já agora, todas as lutas pela independência são válidas? A da Índia? A da Catalunha? E se a Madeira quisesse se independente?

II.

Vi o documentário chamado “Maestro” que tem como protagonista o maestro Paavo Järvi. Gosto de música clássica; quando estou à secretária, quase sempre, ouço este género de música.
Estive a travar conhecimento com um maestro: a sua forma de entender e apreciar a música, as suas rotinas, a forma de viver a vida. Fico a conhecer, também, os bastidores do funcionamento do mundo da música clássica. Noto que, embora se esteja a lidar com obras-primas da criação do génio humano, portanto, obras imortais e que falam ao mais secreto da existência humana, apesar disso, dizia, vejo que o mundo do dinheiro, dos fundos, da sustentabilidade de uma orquestra, não deixa de estar em cima da mesa. Paavo passa muitas horas, depois dos concertos, a arrecadar fundos para as orquestras por onde vai passando. É curioso este facto. Parece, efetivamente, que o mundo gira e funciona sempre, reverentemente, graças ao dinheiro. Cada vez menos áreas das nossas vidas e das vidas das sociedades escapam ao “vil metal”. Haverá espaço ainda para outras visões e ações que não tenham no seu seio o “rico dinheirinho”? Não sei, mas quero acreditar que sim.

Ver um filme, uma série, ler um livro, ir a um espetáculo: todas e cada uma destas ações deverá produzir efeito. O o mais direto e imediato será o prazer estético que experimentamos, retirar um pouco mais do véu sobre esse enigma que é a existência humana. Ligado a este ponto, mas distinto dele há um outro efeito a que poderia chamar de deslocação: sair do ponto A e passar para o ponto B. Também nos deslocamos quando mudamos a nossa forma de pensar – por vezes visto como ser “troca tintas”, mas, na realidade, se pelos motivos certos, sinal de inteligência: “todo o mundo é composto de mudança”, diz o poeta. Essa deslocação pode levar a mudanças visíveis de comportamentos ou de estilos de vida. Acho isso fascinante: como é que alguém, após ouvir ler um texto, ter lido um livro, ter ouvido falar uma pessoa, se deixa “abalar” nas suas convicções e muda, de forma pequena ou grande, a trajetória da sua vida. Talvez por essa razão, dever-nos-íamos abeirar das obras de arte com alguma calma e disponibilidade interior, de forma a podermos ser inquietados por aquilo que estamos a experienciar.

Ambos os documentários estão disponíveis no canal de subscrição:

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