
“Deus, que vens do futuro” é uma expressão de José Augusto Mourão, de quem já falei em textos anteriores.
Em primeiro lugar, julgo que nas nossas representações mentais não tendemos a considerar Deus como estando em movimento. Deus não vem, porque vir, implica estar num sítio, sair desse sítio e ir para um outro lugar. É assim que estou agora no Porto e, a seguir, parto para Braga. Nesse sentido, como pode Deus vir de lá para cá? Não é ele, aquele que ocupa todo o espaço, o que habita toda a dimensão do universo? De todos os modos, é interessante esta verdade: Deus está em movimento para mim, vem ao meu encontro, faz permanentemente um movimento de aproximação. Não é um ser estático à espera que o crente suba a escada para ir ter com ele. Claro que, em Jesus, Deus tornou-se o mais íntimo e próximo do ser humano que é possível ser e estar. As categorias do espaço e do tempo foram vencidas e Deus é presença íntima, pessoal, invencível. Ainda assim, ele vem ao meu encontro, sempre no movimento incessante. Como diz o poeta Khalil Gibran “Ele vem, vem sempre”.
É o Deus que vem do futuro. Aqui é o que o assunto se torna denso. Na nossa experiência humana, o mais que podemos dizer sobre o futuro é a constatação lamentosa: “Se soubesse ontem o que sei hoje não me tinha metido nesse negócio”. Gostaríamos de ter tomado uma decisão, prevendo, sabendo o que o futuro nos viria a reservar.
Ora, dizer “Deus vem do futuro” significa afirmar não principalmente que ele é omnisciente, e sabe tudo (embora seja verdade) – esta firmação presta-se a ser mal compreendida dando a imagem de um Deus, o velho de barbas, sentado no trono celestial e que observa com olhar inquiridor o que se passa cá em baixo no reino dos humanos. Ao invés, dizer Deus que vem do futuro, significa um movimento contínuo, atual, dinâmico; significa que ele vem do lugar onde não há segredos. Quem vem do futuro, vem do lugar onde é sempre dia, nada mais há a revelar, tudo é claro. Deus é aquele que tudo conhece e é o senhor dos quatro caminhos. Não só vem do futuro como ele mesmo é o senhor, o dono do futuro e é ele mesmo o futuro. Em Cristo, toma definitivamente nas suas mãos as rédeas da história da humanidade e pode dizer de si mesmo que é o “Victor”, o vitorioso, aquele que lutou com as forças obscuras do mal e as venceu. Isso pode trazer alguma paz às nossas almas desassossegadas: ele tem as rédeas dos caminhos, a chave da nossa história e da história dos homens.
O que vemos à nossa volta parece desmentir à saciedade este raciocínio, mas é preciso aceitar a treva luminosa, perder o pé à nossa mundivisão lúcida, racional e sensata e entregar um cheque em branco de confiança àquele, o único, que sabe o que faz. “Rende-te e sabe que eu sou Deus”.
É uma tremenda responsabilidade para um cristão olhar para a história e saber que, no Deus que vem do futuro, “irá tudo ficar bem”, como agora se diz. Essa responsabilidade deveria fazer de nós, visceralmente, pessoas de alegria irreprimível, cuidando de quem está caído, amparando a criança que chora. Essa alegria não brota de qualquer raciocínio ou técnica, mas da rendição incondicional e do conhecimento profundo da sabedoria, poder e majestade do rei dos reis.