Nulla in mundo pax sincera sine felle; pura et vera, dulcis Jesu, est in te. Inter poenas et tormenta vivit anima contenta casti amoris sola spe.
Aprecio esta peça musical de Vivaldi. Se o impaciente leitor quiser despender seis minutos do seu apressado tempo, feche os olhos, ouça a voz maravilhosa da cantora, admire-se da beleza e harmonia do acompanhamento instrumental. Se, por um acaso da fortuna, quiser ainda aprofundar o que é cantado, deparar-se-á com um belíssimo texto em latim, de origem desconhecida. (Mas, ó inocência, estes não são tempos para mastigar – quanto mais ruminar – o que quer que seja, senão o de ingurgitar o copo de leite, o café, o bocado de pão enquanto a vergasta chamada “pressa” nos impele sempre e de novo para parte nenhuma).
Eu ouvi uma primeira vez este lamento confiado e, depois, uma e outra vez. Seguidamente, procurei conhecer a letra. Um dia, a propósito disto ou daquilo, subiu à minha consciência o início do texto: “Não há paz sincera no mundo sem amargura”. Que verdade explosiva, logo a começar o poema…
É antigo este olhar lúcido (hoje diríamos pessimista) sobre o mundo: não encontramos em nenhum lugar uma paz duradoura, segura, que nos permita nela descansar. Pense o leitor: em que ou onde encontra a sua paz? Não andaremos frequentemente balançando entre a procura da paz, o seu gozo e fruição e, inevitavelmente, a sua perda? Pelo menos, no meu caso pessoal, é assim que acontece.
“Somos mais do que órfãos de um útero materno”. Já aqui citei este verso-fulgor do poeta António Ramos Rosa. O que deseja o nosso coração? O calar de todas as sedes, o sossego do amor da mãe, a certeza de ser amado sem condições, a paz profunda e duradoura que acalma todas as tempestades. É a partir daqui que o edifício pode ser construído. Enquanto essa obra não se realiza, aí vamos nós, bombas de fragmentação, gritando a nossa dor ao mundo através do mal, consciente ou não, que aspergimos aqui e ali.
É conhecida de muitos a constatação que nada no mundo sacia de forma plena o coração do humano. O cantor rock e ícone Bruce Springsteen disse-o na música “Hungry heart” e Mick Jagger também: “I can get no satisfaction”. Todos os portos onde entramos e queremos abrigar o nosso barco são afinal, tão só parcialmente seguros.
O autor do moteto sabe, no entanto, onde colocar os pés em segurança e fazer repousar a cabeça cansada.