
No livro que li do teólogo Paul Valadier, este afirma que a Igreja, melhor dito, os cristãos, devem ser “incitadores do desejo”. Esta expressão ficou registada, à espera de vez.
Frequentemente associamos a fé, a Igreja, ao domínio do racional: “acreditas em Deus?” situa-se no mesmo patamar em que acreditamos ou não na justiça em Portugal. Também acreditamos nas verdades da fé, no Credo, em tudo o que a Santa Madre Igreja recomenda. O ato de crer aparece empobrecido e mutilado. No mercado global contemporâneo das mil vozes, que lugar haverá ainda para falar da fé (o que quer que entendamos desta expressão)?
Mas agora, incitar ao desejo, isso é outra música. “Incitar” para evocar um ato de transgressão, uma atitude deliberada e intencional de provocar um efeito. Quanto à palavra “desejo”, quanto haveria a dizer dela. A Igreja lá foi tendo alguma desconfiança sobre os “desejos da carne”. Desejar escapa à ordem do racional, do controlo. É uma erupção da vontade, indómita, o coração do crente na procura desabrida do objeto do seu amor. Não vamos lá pelo sermão. Não aquecemos porque não estamos quentes. Nos relatos dos evangelhos relativos à ressurreição de Jesus, amo particularmente a figura de Maria Madalena. Ela chora, corre, prostra-se aos pés do Cristo. Fala dele, mas não a acreditam. Os apóstolos estão no domínio do racional, ela vive e ama apaixonadamente. Maria madalena foi uma verdadeira incitadora do desejo. Quem dera descesse assim um fogo.