Quatro platitudes

I.
Acabo de ler em voz alta alguns poemas do livro “poesia grega”, de Frederico Lourenço. Porque gosto, perguntas-me? Porque acho interessante que poemas com 2500 anos de distância do hipertecnológico dia de hoje, continuem a trazer as mesmas preocupações, interesses e olhares que hoje temos. Afinal de contas, parece que o ser humano é o mesmo. Para além disso, o ato de ler/recitar/ declamar em voz alta aumenta a compreensão e a emoção da leitura. Torna-se mais fácil viajar com a imaginação atrás de onde vão os poemas.

II
Ao ler a autobiografia de Yeats, penso como deve ter sido a vida naquele final de século XIX e início do século XX. Apesar de a cidade de Londres, para onde Yeats foi viver, dever estar a rebentar de progresso e desenvolvimento, a vida seria bem mais calma e pausada do que a de hoje. Yeats e as pessoas com quem se relacionava discutiam poesia, pintura, literatura. Visitou a casa do poeta W. E. Henley que se tornou uma espécie de mentor… Que vidas interessantes, que beleza e profundidade espiritual nesses tempos e que planas são as relações sociais nestes tempos: falamos mal disto e daquilo, dizemos três ou quatro banalidades sobre a atualidade, e é tudo… ou quase.

III
Estamos a perder o sentido da superação pessoal, da capacidade de sermos contrariados, de fazermos coisas que nos desagradam. Tudo é favorável, tudo é confortável. A visão da vida que subjaz a estes propósitos é a de procurar viver sem contrariedades nem problemas, com o máximo de prazer e o máximo de conforto possíveis. Como lia, no outro dia, sem contrariedade, não há excelência. Vou tendo uma consciência progressivamente mais aguda disto mesmo. É preciso contrariar o ego. É isso que todos os ascetas e místicos recomendam: é preciso contrariar, combater o ego, isto é, a força que há em nós para sermos mimados, vivermos no conforto, termos os nossos desejos rapidamente satisfeitos. Esta é uma geração que não aceita o NÃO.

IV
Achei curiosa a expressão usada por S. Bento: “Pax perniciosa”. A paz perniciosa. Não sei se entendi corretamente, mas associei essa paz perniciosa aos momentos em que acredito que todas as variáveis à minha volta estão sob o meu controlo. Como se dissesse a mim mesmo: agora estou em segurança, agora está tudo bem. É uma paz perniciosa porque é mentirosa: é uma mentira que o ego faz. Que sei do que me pode acontecer no momento seguinte? Tudo é incerto e imprevisível. É mentirosa porque quer abrandar ou fazer cessar o combate que sempre tenho de travar.

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