
Por vezes, basta um cheiro ou uma palavra. De repente, viajo trinta e cinco ou quarenta anos em direção ao passado e ali estou, em casa dos meus avós, onde passei tanto do tempo da minha infância. É espantoso como as memórias estão guardadas e, num repente, algo que me chega pelos sentidos (não pela razão) lança um laço, longo e firme, com esse passado imorredoiro.
Muitas das memórias que guardo de casa dos meus avós estão embebidas em determinadas atmosferas. Amava o sentido de ordem, de limpeza, de frugalidade que se propagava à minha alma, às fímbrias mais sensíveis do meu coração. Todos os rituais diários ou semanais, a previsibilidade e estabilidade das rotinas, a casa e a sua envolvente – tudo contribuía para uma atmosfera de silêncio, segurança e paz. Em criança, aspirava esta realidade, gozava dela, beneficiava dela; no entanto, ainda não era capaz de a articular ou dela tomar consciência. Só muito mais tarde, depois da alma ter vagueado por aqui e ali, depois de ter percebido como a tragédia e os cimos do amor se entretecem nesta vida, depois do cansaço das idas e vindas – só aí, comecei a tomar consciência que as memórias da infância eram sobretudo um lugar.
A nossa condição desorientada e errante pede sempre esse lugar: o lugar mágico da segurança, da beleza, da paz, da certeza de sermos amados. É feliz aquele que, quando se desprender da infância, partirá para os caminhos da vida com esse lugar gravado no coração.
Foi esse anelo, que o poeta irlandês W. B. Yeats escreveu em: “The Lake Isle of Innisfree”. Yeats estava em Londres, mas a sua alma voava para sua Irlanda natal; estava cansado e aturdido com a vida agitada e frenética da capital. Termina assim o seu poema:
“Ergo-me e vou, parto com a noite, parto com o dia, Oiço as águas do lago, o seu murmúrio junto à costa; Seja pelos caminhos, seja pelas sombrias ruas, Oiço esse murmúrio no mais fundo do coração”.