
1 – Egodrama e Teodrama
(Hans Urs von Balthasar)
São duas formas inconciliáveis de viver. No Egodrama, a vida tem por centro e critério último o Ego: os meus interesses e planos, a minha carreira, o meu estado emocional, as minhas férias, os meus amigos. Narciso e o seu umbigo. Eu e mais eu.
O Teodrama é a vida que tem Deus como centro: uma vida extraordinariamente livre, feita de serviço, aberta às surpresas e imponderáveis da existência, alegre até à medula, avançando “de começo em começo até ao começo que não tem fim”.
Cada escolherá o seu lado da batalha.
2 – Bene vixit qui bene latuit
“Bem viveu quem bem se escondeu”, disse Ovídio.
Os mil cambiantes do olhar do Grande Irmão exercem pressão sobre a alma: ninguém pega num copo da mesma forma em casa ou na festa. Esse olhar traz também consigo os códigos de pertença e aceitação: faz e serás dos nossos.
Estes nossos tempos são a antítese daquela expressão latina: hoje o mantra é ‘apareces, logo existes’. Eu, por minha parte, faço uma vénia profunda a tantas pessoas, anónimas ou “famosas”, que prezam o seu espaço. São sábias porque aprenderam a encontrar deleite no seu mundo pessoal e interior, no seu jardim secreto. Têm espessura e densidade. Com certeza que os outros, a família, os amigos, os colegas de trabalho são importantes e têm o seu lugar, mas o seu centro gravitacional, vão encontrá-lo noutras paragens.
3 – A gargalhada cósmica
O que é o cume da existência? De que matéria é feita a “pequena plenitude”, que é oferecida, ainda que em vislumbre, a cada passante que pisa apressado este mundo? Mais prosaicamente, qual é o ponto alto, um ponto alto da existência?
Esta manhã troquei uma gargalhada com alguém. Momentaneamente, o registo sinistro do pensamento binário (bom/mau, gosto/não gosto, desejo/evito) ficou desfeito em cacos. Pelo riso, foi, como um clarão, instaurado o absurdo no quotidiano. Como se, de repente, um meteoro batesse de chofre e tudo fizesse em pedaços.
Do profundo abismo, sobe a gargalhada que ri de tudo. Durante três segundos, o mundo é virado de pernas para o ar e os nossos pensamentos mais avisados e sisudos são reduzidos a pó. E, então, ecoa em todas as galáxias o riso cósmico. Eis o ponto alto da existência.