Espero que alguém me aconteça

Espero que alguém me aconteça.
Entretanto escrevo a riscar algo.
Escuto como se me ditassem ao ouvido
Depois duvido: ouvi fora ou foi dentro?
O mundo continua inadvertido e obeso
Olhares agarram-se-me como se fosse spoiler
Um doido em meio de sãos,
É como um são em terra de doidos.
Espero que alguém me aconteça
Enquanto corre veloz o automóvel ao destino
E a caneta se gasta e o sol mergulha,
Perscruto sinais na rebarbadora chorosa
Afeitando mais um azulejo para se encaixar
Na parede da cozinha: tudo se sacrifica
Para fazer parte dum mosaico harmonioso
Enquanto não chega o novo catálogo “Ikea”.
Espero que alguém me aconteça
No tresmalhar dos dias iguais e desusados
Na segunda-feira que espera o domingo
Na festa que espera a féria ronronante
No calendário em que desconto os dias
Ou na ampulheta gasta que reviro
Eu espero que algo me aconteça.
Humberto Martins