Cinquenta anos de silêncio

“Daquilo que não se pode falar, importa calar.”

L. Wittgenstein

Teólogo – palavra de origem grega: Theos – Deus; Logos – palavra. Um teólogo é aquele (e aquela – não vá aparecer a brigada de costumes) que procura melhor conhecer e aprofundar o mistério a que chamamos “Deus”, com as duas asas da inteligência e da fé. Karl Rahner, padre jesuíta, foi um dos maiores teólogos do século XX. Esteve presente e interveniente no Concílio Vaticano II, nos anos sessenta do século passado. Um Concílio é a assembleia magna da Igreja Católica na qual se decidem questões de importância vital para o futuro da Igreja.
Este mesmo teólogo pronunciou uma frase, que recolhi por interposta e fidedigna pessoa, que rebentou cá dentro e provocou uma reação em cadeia. Segundo ele, dever-se-ia deixar de pronunciar a palavra “Deus” durante cinquenta anos, substituindo-a por “Mistério” ou “Sagrado”. Como? O homem que perscruta os mistérios de Deus, sugere uma moratória de cinquenta anos?
Karl Rahner sabia o que dizia. Tinha uma viva consciência como esta palavra estava inquinada até à medula. Sabia como a religião, em primeiro lugar, e a praça pública, em seguida, tinham enchido essa palavra de ruído, erro e banalidade. Compreendia que lidamos mal com realidades que não conseguimos abarcar e apropriar. E quando não sabemos inventamos, como se costuma dizer. Mais ainda, quantas vezes essa palavra não foi apropriada e banalizada?
As ‘palavras-horizonte’ nunca são alcançadas. São palavras para onde nos dirigimos. O seu uso deve ser prudente, respeitoso, parcimonioso. Os judeus não pronunciam o nome de Deus: dizer é capturar. Pelo nosso lado, católicos, padres, bispos, ministros do Evangelho quantas vezes abastardámos esse nome? Falamos dele a partir de onde? Quanto do nosso sangue foi vertido para que dele nos abeirássemos um nada que fosse?
Muita da linguagem religiosa foi não apenas banalizada, mas deixou de ter qualquer significado para as pessoas. São apenas mais algumas palavras, algumas incompreensíveis, no vasto comércio das palavras que inundam e afundam.
É necessária uma renovação da linguagem religiosa e, até antes disso, cristãos que falem fogo.

Como diz A. Ramos Rosa do ‘peixe luminoso’: “somos nós que não sabemos regressar à sua origem”.

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