

The Stolen Child
Haveria muito que dizer desta banda e deste poeta. E mais ainda da combinação dos dois nesta música!
Como muitos dos mais velhos sabem, os Waterboys são uma banda inglesa/ escocesa que teve, nos anos oitenta um dos seus momentos altos. Quem não se lembra do hit “The whole of the moon”? Ah… os gloriosos anos oitenta na música pop, no rock português a explodir… bons tempos!
Sempre segui muito de perto esta banda. Tenho uma espécie de faro, acho eu, para letras de músicas que saem fora do comum, do previsível, do sucesso momentâneo. Quem se der ao trabalho de analisar com cuidado a letra da música que citei acima, encontrará verdadeira poesia. O vocalista e letrista da banda, Mike Scott, é um verdadeiro seeker das coisas transcendentes. Não cabe na categoria do “religioso”, mas aquilo que escreve mostra um muito apurado sentido do sobrenatural, do transcendente, da presença sussurrante do divino na beleza das coisas criadas, no amor humano, no mar, no vento.
Quanto a W. B. Yeats, é um dos grandes poetas irlandeses. Tendo vivido muitos anos no meio rural da Irlanda em County Sligo, aprendeu, desde pequeno, muitas histórias, contos, lendas e mitos relacionados com fadas, duendes e criaturas fantásticas que povoam a história e a mitologia celta/ irlandesa (aplicar, neste mundo encantatório, as categorias de verdadeiro/falso ou real/irreal é simplesmente inadequado). Mesmo quando Yeats foi viver para Londres, ficou sempre com a nostalgia dessas terras fantásticas, povoadas de criaturas sobrenaturais.
A letra desta música, “The Stolen child” é a expressão do que acabo de escrever. As fadas, induzem uma criança a afastar-se do mundo cheio de lágrimas e sofrimento e, mão na mão, caminhar com elas para um mundo onírico e encantado, uma ilha onde a natureza aparece cheia de vibrações e beleza. As fadas praticamente seduzem, com poderes sobrenaturais, a criança, que não mais regressará ao “nosso mundo”. Há aqui, por parte de Yeats, um desejo de regresso a um estado de pureza e bondade, de inocência e de proximidade com a natureza. A acrescentar à beleza do poema, está a voz do irlandês que o declama. Mike Scott limita-se a cantar o refrão.
Ouço esta música há mais de vinte anos e não me canso de a ouvir… aprecio e vibro com esse mundo encantado de fadas em ilhas verdejantes, da criança que brinca nas águas à luz do luar, do desdém de Yeats por este mundo cinzento e cheio de sofrimento. É um poema que me faz viajar, sem medo de me abandonar a esse mundo de uma fantasia bem real. Se o estimado leitor estiver a ponderar ouvir a música, que o faça num momento tranquilo, saboreando o poema. Aprecie a flauta, as campainhas, a voz de Mike Scott, a voz do “diseur” (ver aqui) que recita o poema. Uma maravilha… Deixo o poema aqui abaixo num arremedo de tradução e, logo depois, o vídeo.
Onde mergulha o planalto rochoso De Sleuth Wood no lago, Ali fica uma ilha verdejante Onde as garças esvoaçantes despertam Os ratos de água sonolentos; Aí escondemos as nossas taças de fadas, Cheias de frutos silvestres E das mais vermelhas cerejas roubadas. Vem daí, ó criança humana! Para as águas e para a natureza Com uma fada, mão na mão, Pois o mundo está mais cheio de lágrimas do que podes imaginar. Onde a ondulação da luz da lua ilumina As areias cinzentas escuras com luz, Longe por Rosses mais afastados Passamos a noite a pé, Tecendo danças antigas Mãos e olhares entrelaçados Até que a lua tenha levantado alto; Saltamos de um lado para o outro E perseguimos as bolas de espuma, Enquanto o mundo está carregado de problemas E ansioso no seu sono. Onde a água errante jorra Das colinas acima de Glen-Car, Em poças entre os juncos que mal poderiam banhar uma estrela, Procuramos a truta adormecida E sussurrando nos seus ouvidos Damos-lhes sonhos agitados; Inclinando-se suavemente Dos fetos que soltam as suas lágrimas Sobre as correntes jovens. Para longe, connosco, ele vai, O de olhar solene: Ele não ouvirá mais o murmúrio Dos bezerros na encosta quente Ou a chaleira na fogão cantando paz no seu peito, Ou verá os ratos castanhos rodando e rodando à volta da arca de aveia. Pois ele vem, a criança humana, Para as águas e para a natureza Com uma fada, mão na mão, Pois o mundo está mais cheio de lágrimas do que ele pode imaginar.