A voz aos amigos (II)

Em tempos idos, numa região, aconteceu uma enorme seca. Por causa dessa seca, um homem que ali vivia acabou por morrer à sede, na sua própria casa, assim que se esgotaram as poucas reservas de água que tinha. Podíamos pensar que era impossível evitar essa morte só que, no quintal da casa desse homem, coberto por um monte de folhas secas, havia um antigo e ignorado poço de água pura que o homem desconhecia porque, quando comprou a casa, esse poço já estava totalmente oculto.
Se o homem tivesse cuidado do quintal e varrido as folhas tê-lo-ia descoberto e nunca teria tido falta de água em qualquer tempo de seca. Mas ele passava o tempo fora de casa, disperso em actividades mais ou menos inúteis, só regressando à noite, para dormir.
De um modo semelhante, muitas pessoas escolhem viver permanentemente no exterior de si próprias, ignorando que têm uma dimensão interior, um poço escondido. E são capazes de fazer isto até morrer, com sede de sentido.
Certamente Rabinadrath Tagore não foi uma dessas pessoas. Foi poeta, romancista, músico, compositor e dramaturgo. Alguém que não desfez a sua vida em actividades nulas, mas que se edificou numa busca existencial fecunda.
Ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 1913 e nalguns dos seus poemas espanta-me a forma como consegue compreender o feminino num modo que exige uma elevada afinação da sensibilidade humana. Neste exemplo fala-nos da vida interior comparando-a a uma mulher. Tal comparação é algo simples e belo.

Paulo Farinha

À Espera do Amado Desconhecido
Quem é esta mulher,
a sempre triste,
que vive no meu coração?
Quis conquistá-la, mas não consegui.

Adornei-a com grinaldas
e cantei em seu louvor…
Por um momento
bailou o sorriso no seu rosto,
mas logo se desvaneceu.

E disse-me cheia de pena:
— A minha alegria não está em ti.

Comprei-lhe argolas preciosas,
abanei-a
com leques recamados de diamantes,
deitei-a em cama de oiro …
Bateu as pálpebras
como um relâmpago de alegria
que logo se apagou.

E disse-me cheia de pena:
— Não está nessas coisas a minha alegria.

Sentei-a num carro de triunfo,
e passeei-a por toda a terra.
Milhares de corações conquistados
caíram humildes a seus pés,
e as aclamações reboaram pelo céu…
Durante um momento
brilhou o orgulho nos seus olhos,
mas logo se desfez em lágrimas.

E disse cheia de pena:
— Não está na vitória a minha alegria.

Perguntei-lhe:
— Que queres então?
Respondeu-me:
— Espero alguém
que não sei como se chama.
Depois calou-se.

E passa os dias a dizer cheia de pena:
— Quando virá o amado desconhecido?
Quando o conhecerei para sempre?

(Tradução de Manuel Simões)

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