A voz aos amigos (I)

Mandaram-nos parar!
Ainda assim, os dias correm apressados… As horas apagam-se implacáveis… As coreografias que a agenda nos apresenta são entorpecedoras, anestesiantes…. Parecem desenhadas para nos entreter, tornando-nos quase espectadores de nós próprios. Parecem desenhadas para, organizadamente, nos tornar submissos ao tempo. A agenda é nossa mas, aparentemente, nós somos dela…

Importa, por isso, pensarmos na forma como nos situamos diante do tempo. “Que é, pois, o tempo? “Se ninguém me pergunta, eu sei; mas se quiser explicar a quem me indaga, já não sei”, diz Santo Agostinho. De facto, não é fácil definir o tempo. O que sabemos é que, indubitavelmente, existe uma relação intrínseca entre aquilo que somos e o tempo. Assim o sustenta Carlo Rovelli, físico, na sua obra “A ordem do tempo”, afirmando que nunca iremos desvendar o enigma do tempo se não percebermos a importância e a validade da nossa condição de seres no tempo.

Nós somos seres no tempo. É nele que existimos. O que significa assumir o indomável do tempo, naquilo que ele é de cronologia e de actualidade (social, económica, política e cultural), como condição determinante da nossa identidade. No entanto, reconhecer isto, não nos obriga a determinismos identitários, nem nos condena a ser meros e reduzidos escravos do tempo. Sublinhamos, aqui, que nós somos no tempo mas não somos do tempo – não somos sua propriedade.

Portanto, o tempo levanta a questão da identidade e da liberdade. Nós somos o que o tempo nos permite ser e somos o que, na liberdade, apropriamos deste tempo que é o nosso. Neste contexto, podemos e devemos assumir o tempo, simplesmente porque é tempo a ser integrado e a ser passado, como um grande desafio à nossa liberdade – se ele nos manieta, se ele nos escraviza, se o perdemos, não somos livres. E se não somos livres, nunca seremos o que queremos e podemos ser.

O tempo, então, só será humano se for feito de e na liberdade, se for espaço para, na liberdade, nos construirmos na plenitude de sermos. Logo, o tempo só será nosso se houver tempo livre para sermos.

Tendo isto presente, e dado que uma boa parte de nós está, agora, num período em que, estranhamente, passamos a ter tempo para nós (um tempo nosso), será benéfico pensarmos na forma como nos situamos diante do nosso tempo ao longo dos dias. Somos livres ou somos escravos? Somos no tempo ou somos do tempo? Somos o que, livremente, queremos e podemos ser ou somos apenas fruto e vítimas do tempo?

Que este tempo seja uma oportunidade para nos redefinirmos de forma a sabiamente sermos tempo de liberdade humanizante e humanizadora. Disse D. Manuel Clemente: “O tempo só é livre quando realmente liberta”. Não o fazendo, é desumano.

Daniela Rodrigues

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s