
Em vésperas de ficar em casa, mais uma vez. Se tudo correr como está a ser noticiado, a partir de amanhã, sexta feira, o ensino presencial será interrompido.
Desde o início da pandemia, depois do primeiro confinamento, entre março e maio sensivelmente, é a primeira vez que sinto o cerco demasiadamente próximo. Até aqui, tinha conseguido processar, adaptar-me e procurar viver o que cada dia ia trazendo. Como tenho uma “costela monástica”, não me era particularmente difícil aceitar o confinamento.
Agora, tudo se está a agravar: o COVID entrou sorrateiramente na minha família, a catástrofe campeia nos hospitais, morrem pessoas diariamente como as folhas caem das árvores no outono, negócios fecham e abrem falência, famílias inteiras que lutaram durante uma vida são arremessadas contra o muro. A nossa economia parece-se como um sonho que costumava ter em que caía e caía sem nunca parar. Portugal é um barco com um leme seguro por mãos titubeantes.
Ontem, veio à minha memória uma passagem do livro do Êxodo. Nela, Deus avisa o povo hebreu para se fechar dentro de casa pois o anjo exterminador iria passar e dizimar tudo à sua volta. Recordei também as palavras de Jesus, exortando os seus ouvintes a estarem atentos e alerta e preparados. Citava uma passagem do Antigo Testamento, em que as pessoas, antes da vinda do dilúvio, andavam distraídas na sua vida e no seu pequeno mundo, até que caiu sobre elas “aquele dia”.
E o que estamos a viver é precisamente isso: o chão que sempre pisámos, que nos mantinha seguros e confiantes no futuro, está agora a abrir-se diante dos nossos pés ou atrás dos nossos pés, um pouco como nos filmes de terramotos em que os protagonistas correm a salvar-se enquanto atrás de si tudo se desfaz.
Que tempos estes… quantos compatriotas nossos gemem nos hospitais ou nas suas casas, por não poderem ver os seus, doentes nos hospitais. Quantos e quantos não puderam sequer despedir-se daqueles com quem construíram uma vida, teceram relações, ultrapassaram dificuldades…
É o fim de uma era. Como diz o livro dos Salmos: “Quando se abalam os fundamentos, que pode ainda fazer o homem?”
E, no meio disto tudo, que a frase bíblica mais procurada na Internet: “Não tenhas medo, porque estou contigo; não te aflijas, porque sou o teu Deus.” (Is. 41, 10) me leve a estender a mão a quem dela desespera.