
Quando um terreno está lavrado, significa que deixou de ser inútil, cheio de ervas, pedras e paus crescendo a eito. O agricultor removeu pacientemente tudo aquilo que estraga o seu pedaço de terra. Em seguida revolve a terra, prepara-a para que esteja pronta para receber a semente. A terra fica mais bonita, pode até formar simetrias que agradam ao olhar e assumir cores belas.
Cada um de nós tem o seu terreno por lavrar ou tem uma parte do seu terreno por lavrar. Aqui, o terreno é o seu próprio interior, poderíamos dizer a sua alma ou o seu coração. O que entendo por esta enigmática expressão?
Em primeiro lugar que o conhecimento que temos de nós é parcelar. Não conhecemos tudo sobre a razão pela qual agimos de uma forma ou outra simplesmente porque não acedemos às razões mais profundas do nosso agir. Sabemos lá de onde vem este comportamento irascível ou aquela compulsão… Claro que somos rápidos em censurar-nos por pensar ou agirmos de uma certa forma, mas alguma prudência seria avisada.
Em segundo lugar, significa que temos sentimentos, pulsões ou comportamentos que nos fazem guerra – não gostamos de ser da forma A ou B; desgosta-nos um traço de caráter; censuramo-nos interiormente com muita frequência. Estarmos connosco mesmos diariamente, vinte, quarenta ou sessenta anos nem sempre é fácil. Nunca fazemos férias de nós mesmos… Essa coabitação consigo mesmo por vezes custa. Às vezes penso que somos o nosso pior inimigo.
Qual o remédio? Nem sei bem… Aquilo que a minha experiência me diz é que é muito fácil não gostarmos de nós, pelo menos em algumas áreas; é fácil e imediato emitir juízos apressados e truncados sobre nós. Esquecemos que viver, crescer, ir pela vida fora, implica sempre ficar marcado no coração por experiências que nos magoaram. Ninguém chega à vida adulta como Adão ao paraíso no primeiro dia.
Um dos versos que me alimenta é do poeta António Ramos rosa: “Somos mais do que órfãos de um ventre materno” – uma outra forma de referir o tal terreno inculto, abandonado, feio e sem propósito que algures em nós subsiste. Sem querer parecer cheesy, creio que precisamos aprender a fazer as pazes connosco, tomar consciência que há trabalho a fazer para que, como diz o salmo possamos ter a “alma como um jardim bem irrigado”.