
Entre um ser humano e outro ser humano há um abismo. Cada pessoa tem uma profundidade de pensamentos, de ideias, de memórias, de experiências as quais são apenas em parte percetíveis. Somos um mistério para nós mesmos.
Se isso é verdade em relação a cada um, mais ainda o é em relação aos que nos rodeiam: há um fosso entre mim e o outro. Aquilo que conheço de mim é parcial e fragmentário. Aquilo que conheço do outro é ainda mais parcelar e obscuro.
Talvez por isso, devêssemos ser parcimoniosos e cautelosamente céticos nos juízos que formulamos sobre os outros. Quando A. reage de uma forma que me causa aversão, que sei eu sobre as suas motivações profundas, a sua história? Que feixe de vivências, de impulsos conscientes ou inconscientes povoam o seu mundo interior? Que feridas, conhecidas ou ignoradas marcam a sua alma?
Não defendo, com isto, a suspensão do juízo ou o ceticismo gnosiológico, mas compreendo que algumas correntes de pensamento sejam cautelosas quanto à verdade dos nossos juízos e do nosso pensamento: aquilo que se vê do outro é apenas a ponta de iceberg. Aquilo que sabemos de nós mesmos é incompleto – assim o diz também a famosa janela de Johary.
Defendo uma consciência decidida acerca da provisoriedade dos nossos juízos, sem que isso postule que sejamos um conjunto de impulsos e motivações inconscientes, como se fôssemos presas de algo que não dominamos em nós. Mas, por outro lado, não partilho do otimismo ingénuo de pensar que sabemos quem somos ou quem são os outros. Essa transparência e limpidez são irreais.
Talvez, no passado, tenha sido demasiadas vezes precipitado e ingénuo na convicção da verdade e da clareza do outro ser humano. Somos um mistério para nós mesmos e ainda mais misteriosos para os outros. Por essa razão, precisamos avançar mais lentamente no processo de desvendamento de quem sou e de quem é o outro e na entrega confiada a quem está diante de nós.