
O conceito define, circunscreve, abarca. Quando alguma coisa é definida, de certa forma, “morre”. Aplicamos a essa realidade uma categoria, ela deixa de ser misteriosa, passa a ter um fundo e limites.
Na nossa vida, temos de nos organizar mentalmente para podermos viver e sobreviver. Atribuímos definições a objetos, à natureza (“isto é o mar”) e a pessoas à nossa volta (“ele e a mania que é bom”). Seria impossível, permanentemente, estar a ver tudo/ todas as coisas como se fosse a primeira vez.
Se isto é verdade, também não o é menos a consciência que ao categorizar a realidade, a tornamos mais pobre e inerte. Porque é que o olhar da criança é maravilha e deslumbramento? Talvez seja porque a realidade ainda não foi arrumada em categorias e assim despojada do seu mistério e profundidade. Crescemos, somos adultos, vemos as coisas como elas são, dizemos que somos lúcidos e racionais. É o reino do conceito.
No reino do símbolo, a realidade vive, ri-se das nossas categorias, do nosso pretenso aprisionamento do que vemos, do desencantamento. “Passamos pelas coisas sem as ver/ gastos como animais envelhecidos”, lamenta Eugénio de Andrade. Como se nada mais nos surpreendesse, como se a lei suprema do ser adulto fosse “conhecer para dominar”. Entretanto, a beleza da realidade, a surpresa, o encantamento pueril, a metáfora e o símbolo acabam arredados do nosso coração (“a que distância deixaste o coração?”, pergunta Tolentino Mendonça).
Não sei qual será o caminho de regresso, mas parece-me que nos afastámos da nossa casa e toda uma vida não será suficiente para esse caminho de volta.